domingo, 13 de março de 2011

Capítulo VI

Eliza permaneceu girando até mesmo em terra firme. Sua cabeça rodopiava como um pião, suas mãos suavam, seu estômago parecia querer saltar pela boca. O chão se tornara de gelatina, mole, não lhe dava apoio. Seus olhos não conseguiam focalizar mais nada, tudo se tornara um borrão. Levou as mãos ao rosto, dobrou os joelhos e desabou.
Chorou, chorou aos soluços. Não era amor, não era amizade, não era nada mais que uma forte ligação com um estranho, atada através de nós que não se arrebentariam facilmente. Por que isso lhe acontecera? Porque se deixara envolver pela sedução de um mistério? A culpa transbordava pelos seus olhos.
Já havia perdido a noção do tempo quando suas lágrimas secaram, ainda com as pernas bambas, se arrastou até em casa. Não sabia por que se abalara tanto, uma vez que não se considerava apaixonada por ele, ou pelo menos não se permitia admitir isso. Mas sabia que Franco nunca mais a procuraria. Não deveriam deixar esse sentimento crescer.
Mas por quê?
Perguntas ecoavam em sua cabeça durante todo o trajeto para casa.
A caminhada que raramente levava mais de quinze minutos lhe tomou quase quarenta, e quando finalmente atravessou o portão, se deu conta que sua cara deveria estar horrível. Abriu a torneira do quintal e jogou um pouco de água fria no rosto antes de limpar os pés para entrar.
- Você tem noção de que horas são, mocinha? Esqueceu que temos compromisso esta noite?! – Mal colocara os pés para dentro de casa e já fora recebida por sua tia Francis bravejando. – Você tem meia hora para se arrumar, vá tomar um banho e coloque um vestido bem bonito, arrume esse ninho de rato que está o seu cabelo e tente dar uma melhorada nesse rosto. Rápido!
Eliza não respondera, apenas se arrastara para o quarto. Degrau por degrau. Isso lhe custou um esforço tão grande que parecia estar escalando o Everest. Abriu o guarda-roupa e olhou para os dois vestidos que deixara pendurados. Um era verde, florido, sem mangas e o outro era alaranjado, com delicados botões. Nenhum lhe agradou no momento, então decidiu voltar o porão para escolher outro.
Foi diretamente ao armário onde tia Francis estocara os antigos vestidos da mãe de Eliza, e os escondera por tantos anos. Abriu a terceira gaveta e puxou um lindo vestido azul marinho. Ultrapassava a altura dos joelhos, tinha mangas curtas, botões e dois bolsos. Era simples, porém elegante, e era principalmente discreto. Esticou-o alisando as dobras em seu corpo para ter uma ideia de como ele ficaria, e foi neste momento que sentiu alguma coisa em um dos bolsos. Apalpou-o e curiosa, colocou a mão, procurando pelo objeto que ali estava.
Era uma chave.
Não deu muita importância e a enfiou no bolso de seu jeans, pegou o vestido e subiu para tomar banho.
Lavou os cabelos e tirou todo o cheiro salgado das lágrimas que pareciam ter grudado em seu rosto. Passou um pouco de perfume e colocou o vestido tomando todo o cuidado do mundo. Abaixou para pegar a caixa de “sapatos de pouco uso” debaixo da cama, e notou que o baú de Franco ainda estava ali.
Como um estalo, se lembrou da chave que encontrara no bolso do vestido. Não fazia o menor sentido, mas não custava experimentá-la. Enfiou a mão no bolso do jeans embolado e pegou a chave, não tinha reparado antes, mas ela tinha o mesmo padrão de detalhes que a fechadura do baú. Sentiu um calafrio percorrer sua espinha, respirou fundo, e colocou a chave no buraco.
Girou-a e ouviu um clic. O baú se abrira.
Não havia moedas de ouro, joias e nem um mapa do tesouro. Haviam fotografias.
Pegou a primeira e viu duas crianças no berço, abraçadas, uma de macacão rosa, e a outra de azul. Pegou outra e nela haviam duas crianças brincando, não deveriam ter mais que um ano de idade. Na outra fotografia as duas crianças estavam no colo de uma moça muito bonita.
Uma onda de choque percorreu o corpo de Eliza, suas mãos tremiam com tamanha violência que ela mal podia segurar as fotos sem derrubá-las.
A bela moça da foto era sua mãe.
Não havia visto muitas fotos de sua mãe até então, mas poderia reconhecer aqueles profundos olhos escuros e os cabelos castanhos encaracolados em meio a uma multidão de rostos. Audrey era seu nome, mas ela evitara pronunciá-lo porque doía demais.
Virou uma das fotos e no seu avesso havia uma anotação escrita à caneta, quase totalmente apagada pelo tempo.
“Franco e Eliza, os amores da mamãe Audrey”
Eliza jogara as fotos sobre a cama e levou as mãos a boca, em pânico. Lágrimas saiam queimando dos seus olhos, o choque e o horror eram tão grandes que ela não conseguia se fazer parar de tremer.
Franco era seu irmão.
E era por isso que ela não podia se apaixonar por ele.
Mas já era tarde demais.

Tudo se encaixara em sua cabeça com um quebra cabeça. Era por isso que ele se importava tanto com ela, era por isso que ela sentia como se o conhecesse há muito tempo, e era por isso que não sabia explicar a estreita conexão que tinham. Mas ela arruinara tudo confundindo os sentimentos.
Culpa, medo e dor lhe torturavam por dentro, e foi neste momento que percebeu o tamanho da merda que fizera. Isso foi o bastante para que ela tomasse uma decisão extrema.

Na manhã seguinte encontraram o corpo de Eliza desfigurado, com dezenas de ossos quebrados, próximo ao prédio mais alto da cidade. Ela não resistira à queda de sessenta e três metros. Sessenta e três malditos metros.
Eliza não deixara nenhum bilhete, apenas a sombra de sua curta passagem pela Terra e o grito de socorro que ninguém ouvira.

5 comentários:

  1. Pra quê me fazer chorar? Fiquei lendo aqui os capítulos escondida e quase morrendo de vontade de ler mais a cada capítulo. ;_; Elizaaaa.

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  2. Pelo menos, não fui a unica a chorar. OMG. Eu nem consigo acreditar. E o Franco? O que será que aconteceu com ele depois que ele soube? Por que ele não contou a ela? Não deu tudo na mesma? Eu estou pirando. Mas que poxa, Eliza. Você não devia ter feito isso menina. Por que, oh god.

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  3. Poxa.. ela se matou =/ logo depois de descobrir q tem um irmao =S Monykeeee sua assassina!! hsuahsuhas BRINCADERAAA!! Adorei a historia, coisas tragicas sao mais legais rs Bjinhuus, qdo acabar o luto e surgir outra história me chama!

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  4. Realmente, pensei que ia sair um romance daí! Você podia fazer a história do Franco agora, seria legal :3

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  5. Eu percebi que você tem uma cisma com baús ou é só impressão minha, mesmo? Eu nem imaginava que você escrevia tão bem assim. Simples, não usou um vocabulário muito difícil mas desenvolveu sua história de um modo surpreendente. Não sei se li segunda feira, só sei que lágrimas caíram com esse final. Surpreendente MESMO, essa é a palavra. Quem poderia imaginar que ela finalmente iria se matar? E eu achei essa tia dela bem capricorniana pro meu gosto, hein?
    Também apoio essa de você fazer a história do Franco. Amei esse jeito dele, todo misterioso... E amei a escolha pro nome da mãe. Audrey, me simpatizo demais com o som.
    Meus parabéns, Nikki. Se eu pudesse fazia um comentário mais digno pro seu texto, mas... você me deixou sem palavras, simplesmente. Tens uma leitora fiel.

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