sexta-feira, 4 de março de 2011

Capítulo IV

Faltava pouco menos de cinco minutos para as sete da manhã quando Eliza dobrou a esquina. Estava a poucos metros do prédio da prefeitura e andava apressada para chegar na hora marcada, mas suas pernas congelaram ao ver que o estranho estava sentado no terceiro degrau da escadaria, exatamente onde ela se sentara no dia anterior. Ele segurava dois cavalos pelas rédeas, afagando o focinho de um deles.

- Bom dia. - Ele disse, tirando os olhos dos cavalos por um instante.
- Erm, bom dia.
- Não precisa ter medo, eles são mansos.
- Não estou com medo deles, só... na verdade estou com medo do que você pretende fazer com eles. - Eliza disse, apontando os animais com o queixo.
- Nós vamos montá-los, oras.
- Nós vamos o que? – Eliza não conseguia esconder o tom de surpresa em sua voz.
- Está com medo?
- Nós estamos numa cidade! – Eliza disse enfatizando cada sílaba da palavra “cidade”. - E se um carro bater na gente? E se um ônibus nos atropelar? E se...
- Mas olha só, para quem queria se jogar do topo de um prédio, até que está bem mais preocupada com a sua vida agora. – Ele disse, e riu.
Eliza bateu os pés no chão, cruzou os braços e respirou fundo, então percebeu que parecia uma garotinha mimada fazendo isso e se recompôs.
- E então o que vamos fazer, afinal? – Indagou, com um tom de voz muito mais controlado.
- Vamos dar uma volta, quero te mostrar um lugar. Venha, a égua alazã é sua.
- Alazã? A negra ou a cor de canela?
- Alazão é o nome dessa pelagem cor de canela, o negro é macho, e é o meu.
- Ah, tudo bem, mas eu não sei montar.
- Não tem problema, ela vai seguir meu cavalo. Venha cá, você sempre sobe no cavalo pelo lado esquerdo.
Eliza contornou a égua avermelhada até se posicionar do seu lado esquerdo. – E agora?
- Coloque o pé esquerdo no estribo, esse triângulo de metal, e faça impulso para subir.
Eliza fez isso, então ele lhe entregou as rédeas e mostrou como ela deveria segurá-las, e com uma velocidade e destreza impressionante ele já estava nas costas do cavalo negro.
Ele saiu a passo, e sem que Eliza precisasse dar qualquer comando, sua égua o seguiu.
- Ei, qual é o nome dela? – Eliza disse, apontando para sua égua.
- Escarlate.
- E o dele?
- Zeus.
- E o seu?
- Franco.
- Franco?
- Sim.
- Legal, bem sincero.
E então Franco cutucou a barriga de Zeus com os calcanhares e ele acelerou a velocidade. Eliza grudou na crina de Escarlate com força, achando que não fosse conseguir acompanhar. Dobraram a esquina e foram galopando até os limites da cidade. Franco guiou seu cavalo paralelo a um trilho de trem e a poeira de terra seca foi subindo.
- Está tudo bem aí atrás? – Ele perguntou.
- Uhul! Tô me sentindo o Zorro! – Eliza gritou em resposta.
- Então segure-se! - Franco cutucou o cavalo com os calcanhares mais uma vez. Agora estavam galopando a uma velocidade que fazia tudo o que Eliza via ao redor parecer apenas um borrão. Era uma sensação gostosa que misturava liberdade e medo sem parecer contraditória.
Galoparam paralelos ao trilho do trem por cerca de dois quilômetros, até que Eliza finalmente avistou uma antiga estação de trem que fora desativada na década de 70. Franco foi reduzindo a velocidade e guiou Zeus a subir uma rampa que dava acesso à estação, desmontou e ajudou Eliza a desmontar.
- O que exatamente é esse lugar?
- Bem, é a minha casa.
- Você mora numa estação de trem? Sozinho?
- Desculpe se estou te surpreendendo tanto hoje, eu achei que vivia uma vida bem normal, mas pelo visto sou um alienígena pra você.
Eliza deu as costas e caminhou pela estação. Não era o lugar mais limpo que já vira, mas também não era o mais sujo. Cheirava a feno, madeira antiga, ferrugem e cavalos.
- Então é aqui que você se esconde?
- Eu não me escondo, só não fico me exibindo por aí.
- Ah, sim, e esses cavalos são todos seus?
- Sim.
- E como você consegue dinheiro pra viver sozinho? Desculpe a indelicadeza, mas você não me parece ser muito mais velho do que eu. Você trabalha?
- Na verdade a maioria deles eram cavalos de carroça, ou que foram abandonados. Eu os trago pra cá, cuido deles e as vezes consigo vende-los para as cidades vizinhas.
- Interessante.
Franco levou os cavalos até suas respectivas baias, tirou a sela e o cabresto e serviu-lhes um pouco mais de feno e água. Eliza observava tudo atentamente, bestificada pela facilidade que ele tinha para lidar animais de meia tonelada sem demonstrar um pingo de medo.
- Você sempre faz isso?
- O que? Alimentá-los?
- Não, salvar a vida dos outros.
- Só quando eu me importo.
- E por que você se importaria comigo? Você nem me conhece!
- Alguém tem que zelar pela sua vida já que você não o faz, não é mesmo? Afinal, o que você estava querendo fazer aquele dia? – Poderia ser apenas impressão de Eliza, mas para ela, ele soara grosso demais.
- Pensei que você já tivesse chego a essa conclusão. – Eliza disse com tom de deboche.
- A única conclusão que cheguei é que você não queria se matar.
Eliza ficou sem palavras por alguns segundos, formulando uma resposta afiada para rebater, mas logo percebeu que não podia negar que Franco tinha um pouco de razão no que dissera, então suspirou e cedeu.
- Talvez. Eu só queria aliviar essa pressão que pesa sobre meus ombros e esmaga minhas costelas toda vez que respiro. Talvez parar de respirar fosse mais fácil. Não sei se você já se sentiu assim, mas é uma sensação de estar perdida dentro de si própria, afogando no fundo dum oceano de lágrimas, sem bote salva-vidas. Sozinha.
- Felizmente não.
- Sorte a sua.
E então eles permaneceram em silêncio por um bom tempo. Franco escovava os cavalos e Eliza apenas observava, pensando se deveria acrescentar mais alguma coisa ou apenas continuar calada.
- E a chave?
- Que chave?
- Do baú.
- Por que eu te daria a chave?
- Para que eu possa abrir o baú? – Eliza retrucou como se esta fosse a resposta mais óbvia do mundo, só faltava levar a mão na testa e dizer “duh, idiota!”, mas parou por aí.
- E quem disse que é para você abri-lo? – Franco respondeu, erguendo as sobrancelhas.
- Ué, então por que você o entregou pra mim? – Disse, claramente confusa.
- Pra que você cuidasse dele.
- E eu nunca vou saber o que tem lá dentro?
- Vai, na hora certa.

Um comentário:

  1. Cavalos, você e cavalos são mais comuns que arroz e feijão, haha. Estava ansiosa por esse capitulo, e cada vez fica mais interessante. E eu cada vez mais curiosa pelo báu e pelo Franco. Muito bom ♥ (Adorei o nome do cavalo que Franco cavalgou, Zeus). Beijos.

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