domingo, 27 de fevereiro de 2011

Capítulo I

“Alguém uma vez disse que a morte não é a maior perda na vida. A maior perda é o que morre dentro de nós quando ainda estamos vivos.”

O sol já se punha esmaecendo as cores daquele dia sem nuvens. O céu azul cobalto se desfazia sobre sua cabeça e seus cabelos castanhos eram sacudidos pelo vento enquanto ela se aproximava, pé ante pé, da beirada. Vinte andares. Sessenta e três metros. Com sorte, não sobraria nada.
Colocou o pé esquerdo sobre o parapeito e parou por um instante para respirar fundo. Se é mesmo verdade que uma sequencia de lembranças da vida se passa diante dos seus olhos como um filme segundos antes da morte, ela queria poder filtrar o que veria durante a queda.
Um turbilhão de pensamentos atravessou sua mente, rodopiando de forma confusa e pouco nítida.
Chacoalhou a cabeça assim que percebeu que na verdade não havia nada em sua vida que merecia ser lembrado, nem agora e nem durante o fim. Ela só queria o fim físico, porque em seu interior, tudo já havia morrido.
Respirou fundo, fechou os olhos, abriu os braços lentamente e já estava arrastando o pé direito para o parapeito quando seu blábláblá interior foi interrompido por uma voz:
- Se eu fosse você não pularia.
Mas que ótimo, só lhe faltava se tornar esquizofrênica agora.
Respirou fundo mais uma vez e tomou impulso.
- Nada começa bem com o pé esquerdo.
Sem abrir os olhos, respondeu em voz alta: - Caso não tenha percebido, isso não é um começo. É um fim.
- Mas todo fim tem um começo, e neste caso, seu começo do fim está completamente errado.
Que maravilha, como se não bastasse ser bizarro o bastante o fato de ouvir vozes, tinha que também aguentar as provocações feitas por elas.
- Não diga que eu não avisei se você chegar ao chão estraçalhada, mas viva.
- São sessenta e três malditos metros! É óbvio que eu não chegarei viva lá embaixo! – Irritada, retrucou.
- Ah, então você fala. – Completou a voz.
Abriu os olhos e voltou a cabeça para trás, encontrando o que não esperava. Um garoto, sentado próximo às escadas com as pernas esticadas. Usava um jeans surrado e uma jaqueta de couro marrom sobre uma camiseta branca. Enquanto olhava para ela, passava o dedo por um isqueiro, acendendo-o múltiplas vezes, mesmo sem ter nenhum cigarro nas mãos.
- Mas se quiser pular, fique a vontade.
- Eu vou pular, só não quero ninguém me olhando. Será que você pode sair pelo mesmo lugar que entrou e me dar um pouco de privacidade ou eu vou ser obrigada a te jogar daqui antes?
- Você não quer mesmo pular. – Ele disse, sem a olhar nos olhos, apenas concentrado na chama que saia do isqueiro.
- Se eu não quisesse mesmo, eu não teria subido até aqui. – Disse, quase cuspindo as palavras.
- Se você quisesse mesmo, já teria pulado. – Ainda sem a olhar nos olhos, ele falou de forma calma e quase dava para apalpar o deboche desafiador saindo de sua boca.
A esta altura, ela já podia sentir seu sangue fervilhando sob sua pele, e já começara a sentir as bochechas corarem de raiva. Para não deixar que ele visse isso, se virou de costas novamente.
- Por que você não me deixa acabar com isso de uma vez?
- Porque eu sei que no fundo não é isso que você realmente quer. Você quer acabar com a dor, não com a sua vida. Você só quer um motivo pra viver. Na realidade, só quer ser salva. Se quiser ver sua vida por outro lado, me encontre amanhã às seis horas em frente ao prédio da prefeitura. Se em uma semana você não mudar de ideia, pode tentar pular de novo, e prometo que não tentarei mais ajudá-la. – Ele colocava a mochila sobre um dos ombros e caminhava em direção à escada enquanto falava. – Bom, agora só depende de você, e se realmente for se atirar como uma bigorna daqui de cima faça isso logo, porque um temporal está à caminho. Boa sorte.
Ele saiu, e ela voltou a se perder em sua própria tempestade de pensamentos. No fundo, sabia que o que ele dissera era uma irrefutável verdade. Odiava admitir isso a si mesma, mas mais uma vez ela não teria coragem de terminar o que começou. Soltou os braços e se afastou da beirada, vencida pelas palavras daquele estranho cheio de mistérios.

3 comentários:

  1. Você escreve muitíssimo bem, parabéns. De verdade, fiquei mais do que encantada com seu modo de escrever e abordar um assunto que tem feito tanto sentido para mim nos últimos dias. Deveria continuar a história, está deslumbrante. Serei leitora fiel, pode ter certeza sua linda. *-*

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  2. Compartilho da opinião acima. Tu escreves muito bem, Nikki.
    A tua escolha de palavras é suave e consegue alcançar alguns pequenos pensamentos corriqueiros que passam por mim.
    Continue a história! Tens mais uma leitora. 8D

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  3. Wow, wow, wow, vamos parar com isso Nikki? É simplesmente maravilhoso, nem sei descrever direito, mas você conseguiu me deixar curiosa, imaginar os personagens, sentir as emoções e dar os meus sorrisinhos bestas de quando leio livros encantadores. E você falando que não sabe escrever bem, tsc. Acho bom você não falar mais isso. E sabe do que eu mais gostei? Por ele não ser longo, ele é médio e bom. Muito melhor do que aqueles textos longos e enormes que não tem nada de interessante ♥ Beijos.

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