sábado, 26 de fevereiro de 2011

Baú de pesadelos.

Ele tinha o sabor do céu num pôr-do-sol de outono. Era agridoce, suave e quente. Era acolhedor se aconchegar em seus braços, e este era o único jeito de fazê-la dormir. Ultimamente os pesadelos a assombravam durante as noites e a perseguiam durante o dia. Desprotegida e cansada, não queria, e nem podia mais fechar os olhos.

Já devia ser cinco horas da manhã, o nascer do sol tocava suavemente a grama fresca, refletindo as gotículas de orvalho.

- Já acordada?
- Hm, sim. – Disse, esfregando os olhos com a manga da blusa.
- Desculpe, eu… não queria te acordar.
- Não me acordou. – Ajeitando os cabelos, tentou parecer convincente.
- Teve pesadelos?
- Na verdade, não. Só sonhei com aquele baú novamente. – Finalmente se ajeitou de modo que pudesse lhe olhar nos olhos, mesmo deitada em seus braços numa apertada rede na varanda. - Tem certeza que não sabe onde está a chave dele? Talvez debaixo de algum tapete pesado, ou dentro de alguma caixinha de veludo… Sua casa não é tão grande assim, é? Não é possível, ela deve estar lá!
- Eu não sei, não faz muito tempo que me mudei pra lá, talvez os antigos donos a levaram embora.
- Mas porque eles levariam a chave e deixariam o baú? Não faz sentido!
- Talvez eles quisessem se livrar do que quer que seja que está ali dentro, mas ao mesmo tempo não queriam que ninguém mais tivesse acesso à aquilo.
- Escuta, eu não sei com o que estamos lidando, mas eu quero a tranquilidade dos meus sonhos de volta! Não aguento mais me sentir presa num filme de ação e suspense todas as noites! Eu… eu preciso descansar.
- Mas você tem conseguido dormir comigo, quero dizer, dormir, só dormir, ah, você entendeu.
- Tenho, mas não é a mesma coisa. – Disse, corando e abaixando os olhos.
- Se você quiser, podemos ir vasculhar o sótão mais uma vez. Tem uns gaveteiros velhos e empoeirados lá. Nunca se sabe.
- Me parece bom, mas jogar um pouco de água no rosto, pentear os cabelos e escovar os dentes antes me parecem uma ideia melhor ainda, por enquanto.
- Tudo bem, vou preparar duas xícaras de chá para nós, então.
- Eu preferiria café. Preciso de algo forte que me mantenha acordada, se não se importa.
- Sem problemas.

Levantou delicadamente da rede, ou pelo menos tentou e caminhou até a torneira mais próxima para lavar o rosto.
Não tinha o luxo de lavar o rosto pela manhã num banheiro, com sabonete e toalhas desde que o primeiro pesadelo lhe assombrou. Dormir no estábulo era a forma que havia encontrado de se sentir mais protegida. A energia dos cavalos provavelmente bania parte dos seus pesadelos, e a outra parte era suavizada quando ele estava por perto. Por segurança, resolveu unir as duas coisas, montando uma rede improvisada entre duas baias.

Estava dormindo assim há duas semanas.

Depois de jogar um pouco de água fria no rosto, caminhou até a baia de Cherokee. Acariciou o focinho da égua negra e lhe entregou um pedaço de cenoura que guardava no bolso.

- Eu realmente espero que isso tudo melhore logo, sinto falta de lhe cavalgar, donzela, mas essas dores nas costas por causa das noites mal dormidas fariam com que eu parecesse um saco de cimento das suas costas.

Cherokee relinchou e aproximou o focinho de suas bochechas, dando uma fungada de leve.

-Está com dores nas costas? – Estava encostado na porta da baia ao lado e disse, lhe entregando uma xícara. – Cuidado, está quente.
- Hm, o que? Ah, desde quando você está aqui?
- Desde que a donzela lhe deu um beijinho da bochecha. – Apontou a égua negra com o queixo. – Ela é bonita.
- Eu sei.
- Mas ainda não me disse se está com dores nas costas.
- Não é nada.
- Eu poderia lhe fazer uma massagem.
- Não é nada.
- Eu me preocupo com você.
- Pois não deveria. – Tomou um gole do café e apertou os olhos ao perceber que queimara a língua.
- Eu quero mandar esses pesadelos embora.
- Você não tem culpa.
- Tenho sim, fui eu quem abriu o baú.

2 comentários:

  1. Que adorável, Monyke.
    Está ótimo, parabéns. Vai ter uma continuação? Espero que sim. Com certeza irei ler.
    E mais uma vez, parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Ficou muito bom. Acho lindo o modo como você trata as palavras e essa sua paixão por cavalos. Também espero que tenha uma continuação.

    ResponderExcluir